quarta-feira, 1 de fevereiro de 2012

Carta de uma filha quebrada e semi-alcoolizada.

Oi pai. Será que ao menos posso te chamar assim? Hoje eu voltei cedo de uma noite, a melhor da minha curta vida. Será que isso te interessa? Mas tu sabes por que eu voltei cedo. Tu me ligaste, e eu demorei pra atender. E tu brigaste comigo de novo. O que faço de tão errado pai? Por que nunca tá bom? Por que eu nunca faço nada certo pra ti? Por que tu sempre esperas as piores coisas de mim? Foi por que eu não consegui cuidar da Lisiane e ela quase morreu? Me desculpa pai, mas eu era só uma criança. O que uma criança de oito anos sabe de cuidar de uma de cinco? Por que pai? Por que tu nunca tá aqui quando eu preciso? Por que o trabalho é mais importante do que o amor que eu tento demonstrar?
A mãe sempre me contou que tu querias filhas. Meninas. Tu conseguiste pai. Eu não sou o que tu querias? Por que eu sempre dou o meu melhor e nunca tá bom pai? Isso continua me matando. Como tu achas que eu me senti quando tu disseste que esperava tudo de ruim de mim, e não da minha irmã? Ou quando disseste que eu decepcionava e que tu não acreditavas em mim? Eu fico tentando, sempre e sempre. Por quem tu achas que eu me esforço tanto pra tirar as notas que eu tiro? Por quem tu achas que eu consegui todas aquelas medalhas de handball? Eu esperei por ti na minha formatura. Onde tu estavas?
Pai, eu venho tentando tudo por ti. Tudo o que eu posso. Deixo de fazer as coisas, porque sei que tu não gostas. Deixo de pedir o que eu muitas vezes quero, porque entendo que tu não gostas de gastar teu dinheiro soado. E tento me aproximar. Fazendo aquele bolo, pedindo pra poder participar da tua vida no trabalho. Eu tento tudo o que consigo.
Sempre pergunto pra vó sobre a tua vida.  Sempre pergunto pra mãe como tu eras quando ela te conheceu. Porque eu quero te conhecer pai. Quero te dar orgulho. Por que eu não consigo? O que eu preciso fazer?
Quando eu era menor e fazia ballet, eu sempre queria que tu estivesses lá. Era a maior alegria que eu podia ter. No último ano, quando eu fui a principal do ato, eu queria fazer perfeitamente tudo por ti pai. Queria mostrar que eu era boa. Foi tu que me deste o primeiro banho. Eu dormia na tua barriga quando era pequenina.  Atravessei as grades do berço, e me lembro do teu rosto naquela noite. Será que tu lembras? Olho as fotos e me dá um aperto no coração.
Se tu não gostavas de ballet pai, podia ter me dito. Mas sabe, eu fiz teatro também. E não me lembro de ti lá. A mãe foi quem sempre foi e me ajudou. Trocando a roupa, fazendo o cabelo. Eu sei que são coisas de menina, mas eu queria ter visto teu rosto lá quando agradecíamos. Ou na minha feira de ciências. Ou nos meus jogos. Ou quando eu ganhei aquela olimpíada espacial. Ou quando fui a princesa do antigo colégio.
Será que tu percebes que sempre que me buscas em alguma festa ou qualquer coisa assim eu sempre te agradeço? Eu nunca recebi uma resposta. Tu nunca perguntaste se foi bom. Se eu me diverti.
E agora pai, agora eu cresci. Eu tenho quinze anos. Será que tu percebeste que era uma data importante pra mim? Que eu tinha e ainda tenho sonhos? As coisas materiais que tu me dá pai, fazem com que eu me sinta comprada. Eu não ligo pra um telefone novo, ou um notebook. Não quando se trata de ter um pai de verdade do meu lado.
As pessoas falam que eu preciso parar de me doar tanto, porque não resta nada pra mim mesma. Mas eu não posso. Eu não posso continuar decepcionando as pessoas pai. Vocês têm o meu coração, e continuam me matando. A cada briga, cada reclamação, cada desmerecimento. Eu não sei mais quanto tempo vou agüentar.
Será que tu percebeste pai, que eu já tentei me matar? E que ultimamente isso vem vindo de novo na minha mente? Será que tu viste o quanto tava me destruindo cuidar do vô, ficando longe da minha casa e de vocês? Eu me senti sozinha, pai. Mais sozinha do que já pensei ser possível. Ou quando eu entrei numa depressão ferrada de 20 de agosto de 2010 até 19 de novembro desse mesmo ano? Ou a que eu tive desde abril de 2011 até dia 16 de novembro? Será que eu e o que sinto são tão invisíveis e sem valor pra ti? Eu não posso olhar pra rua e ver uma família unida, pai. Porque eu sinto inveja do que eles têm, sinto que eu me encontro mais sozinha ainda. E eu não vou conseguir.
Tu não imaginas o quanto eu me torturo, entre escolher algo que vai te orgulhar e que eu adoro e o que eu amo mais do que tantas coisas por ai pro meu futuro. Eu só queria ser boa pra ti pai. Orgulhar-te, mostrar que eu posso. Antigamente, eu dizia que tu eras minha inspiração, meu exemplo. Hoje eu vejo o quão boba eu era. Como alguém que eu nunca consegui conhecer pode ser um exemplo?
Eu venho desistindo, de tentar fazer parte da tua vida, de te orgulhar. Eu me sinto exausta, porque ao que parece, sou incapaz. Eu só queria que tu entendesses que eu te amo pai, e me odeio por nunca fazer nada que te orgulhe. Por não ser boa o suficiente pra ti. Por fazer tudo errado.
Eu desisto. Vocês levaram tudo o que eu tenho. 

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